Branca de Neve contemporânea
Levando em conta a quarentena, crianças em casa, essa semana resolvi fazer uma
atualização na historinha da Branca de Neve. Não ficou muito bom
para crianças, mas talvez sirva para adultos inconsequentes.
Era
uma vez um rei viúvo que vivia em um reino distante, com sua filha
pequena, que se chamava Branca de Neve. O rei casou de novo, a nova
rainha era uma cidadã de bem, dona da verdade, achava que para o
mundo bastava suas opiniões. Negava os progressos da ciência e o
conhecimento, bom senso era algo que desconhecia. Também era incapaz
de compreender o conceito de sociabilidade e de coletividade. Branca
de Neve por outro lado,
gostava muito de adquirir mais e mais conhecimento, falava com os
pássaros do reino e sempre dizia “Quem acha que sabe tudo, não
sabe nada.”. Ela também se preocupava com a desigualdade social
que assolava o reino e entedia que o reino só poderia progredir se
todos progredissem juntos. A rainha não gostava de Branca de Neve
por causa de seus ideais.
A
Rainha tinha um espelho mágico, ao qual perguntava, todos os dias:
-
Espelho, espelho meu, há alguém mais inteligente e sabichona que
eu?
O
espelho respondia:
-
Não minha rainha, você é a mais sabida do reino.
Em
dado momento já não bastavam todos os problemas que o reino passava
como desemprego, crescimento da pobreza, aumento da violência,
surgiu uma doença causada por um vírus. A rainha pensou que nunca
seria atingida por aquilo e fez questão de desdizer tudo o que os
curandeiros da floresta diziam. Dizia, para quem quisesse ouvir, que
não tinha problema, que todos podiam seguir suas vidas normais que a
história de distanciamento social e usar máscara era tudo balela,
quem ficasse doente só precisava tomar um chazinho produzido no seu
castelo que tudo ficaria bem e quem por ventura viesse a morrer é
por que estava escrito no seu destino.
O
povo não sabia quem ouvir, mas o tempo foi passando e nada do tal
vírus ir embora. Todo mundo foi ficando cada vez mais inquieto com
aquilo, passaram meses e meses, nada se resolvia. Uma manhã o
espelho mágico que andava com os nervos a flor da pele e não
aguentava mais aquela rainha falando aquele monte de asneiras, foi
questionado por ela se havia alguém mais inteligente no reino e ele
prontamente respondeu.
-
Sim, Branca de Neve é muito mais inteligente. Aliás,
o que não falta é gente mais inteligente que você.
A
rainha ficou indignada! A parte que tinha muita gente mais
inteligente que ela, nem ouviu, só gravou a Branca de Neve e
concluiu que ela era a responsável pelo seu mau governo.
Enraivecida, a rainha ordenou que um dos seus servos levasse Branca
de Neve até a floresta e a matasse, trazendo-lhe de volta o pulmão,
como prova.
O
servo que tinha apoiado a rainha no início do mandato, mas estava
arrependido (talvez um pouco tarde de mais), teve pena da Branca de
Neve e disse-lhe para fugir em direção à floresta e nunca mais
voltar ao castelo. Branca de neve correu, um pouco atrapalhada,
porque usava sua máscara de proteção, mas correu.
Na
floresta ela encontrou uma casinha pequena, mas não entrou afinal
não sabia se não tinha sido contaminada no caminho e precisava
pensar a melhor forma de pedir ajuda aos moradores. Ficou do lado de
fora, com educação, esperando os donos da casa chegarem. Ela via
pela janela que as pessoas que ali moravam eram caprichosas, a casa
era limpa e organizada e pensava que seria bom passar um tempo com
pessoas assim, conscientes das
suas responsabilidades e que
não sobrecarregam
ninguém.
Já
no final da tarde os donos da casa chegaram. Eram sete anões que
estavam trabalhando em uma mina, usando máscaras, mas se expondo ao
risco, porque precisavam trabalhar e não tinham um governo que
apoiasse os cidadãos. O governo da rainha só preocupava-se com as
grandes empresas, os grandes e pequenos corruptos e com os exércitos
paramilitares. O trabalhador estava largado à
própria sorte.
Enquanto
todos mantinham 1,5 metros de distância Branca de Neve falou alto
(para que todos ouvissem) seu nome. Os anões também se
apresentaram: Atchim, Dengoso, Dunga, Feliz, Mestre, Soneca e
Zangado.
Então,
Branca de Neve contou sua história e perguntou se poderia ficar um
tempo com eles até resolver a sua vida. Os anões pensaram um pouco
e concluíram que não tinha grandes problemas, afinal eles já se
expunham muito ao vírus, não era a Branca de Neve que pioraria a
situação.
Dias
depois do ocorrido a madrasta descobriu que o pulmão que havia
recebido do servo não era de Branca de Neve, ela ameaçou o servo,
mas nesse meio tempo a história toda já havia sido vazada
para o principal jornal do reino e todo mundo já sabia quem era a
rainha. Ela perdeu muitos dos
seus apoiadores, mas alguns que se identificavam com suas ideias
seguiam a apoiando.
A
rainha pensou em como melhorar a popularidade e chegou à conclusão
que precisaria fazer as pazes com a Branca de Neve. Para tentar se
reaproximar falou com o fruteiro do reino, pois ela sabia que a
apoiava, mas também era um primo querido de Branca de Neve. Ele
ficou comovido e resolveu visitar a prima. Mandou-lhe um whatsapp
dizendo que queria saber como ela andava e onde estava. Branca de
Neve contou tudo que havia ocorrido e que estava morando com os sete
anões. O primo como era muito fiel às ideias (ou falta delas) da
rainha não fazia distanciamento social e nem usava máscara para
evitar a contaminação pelo vírus. Preocupado com a situação da
Branca de Neve resolveu visitá-la e conversar sobre as boas
intenções da rainha.
Num
sábado ensolarado ele pegou uma linda maçã e foi levar para sua
querida prima. Sabendo que ela era meio “neurótica” quando quase
estava chegando à casa dos 7 anões colocou a máscara só para ter
alguma chance de ser recebido. Ao ver o primo na porta Branca de Neve
foi recebê-lo fora em respeito à saúde dos 7 anões. Eles
conversaram um pouco com distância. Branca de Neve contou ao primo
que não pretendia voltar ao castelo. O primo pediu que ela pensasse
com carinho em dar mais uma chance a rainha e deu a ela a maçã que
tinha trazido com tanto carinho e se despediu, um pouco chateado por
não ter recebido um caloroso abraço, mas feliz por saber que a
política do reino não havia prejudicado sua relação com a prima
tão querida.
Branca
de Neve entrou de volta para a casa com a maçã na mão. A fruta era
tão linda que todos os 7 anões pegaram nela para terem certeza que
era de verdade. Ninguém lembrou de lavar as mãos depois.
Três
dias depois os 7 anões e a Branca
de Neve começaram a
sentir-se adoecidos, com tosse e febre, rapidamente pioraram. Como os
hospitais da aldeia estavam cheios, eles não puderam ser atendidos.
Acabaram morrendo todos os 8, contaminados pelo vírus, provavelmente
trazido pelo primo fruteiro assintomático que não tomava as medidas
sanitárias necessárias ao combate do vírus e também acreditava
que era só uma gripezinha. E o príncipe? Também morreu, porque
andava pela floresta sem máscara, dizem que ia até na taverna local
como se nada tivesse acontecendo e ainda xingava os fiscais
sanitários e quem quer que visse usando máscara.
E a
Rainha? Continua lá, acabando com o que resta do reino.
Para
crianças talvez atualizar a Chapeuzinho Vermelho seja melhor.
Primeiro porque ela já usa vermelho. Segundo ela e a família estariam
evitando saídas desnecessárias e ela não iria levar doces para
vovozinha. Terceiro a vovó não receberia ninguém, pois teria noção
que o isolamento social é importante. E o Lobo? Como a historinha se
passa em uma aldeia que preza pelo bem estar social, ele não estaria
em situação de vulnerabilidade social e não precisaria usar da
criminalidade para sobreviver.
Arrasou!!!! ....que os gafanhotos atravessem a selva e matem todos os apoiadores da rainha!!!
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