Ao mestre com carinho

    “Hoje vamos ter um dia bom?” e aquela coisinha fofa de 8 anos me responde “Sim, mamãe!” e começamos a estudar no sistema que criamos desde o início da pandemia. Nem sempre cumprimos a promessa, às vezes os nossos estudos são um desastre, às vezes um sucesso. Depende do dia, do nosso humor, da nossa disposição, da nossa inspiração.

    Sem sombra de dúvidas de todas as inovações que a pandemia e consequentemente o isolamento impôs às nossas vidas, para mim, o homeschooling é o maior desafio, ganha disparado. Dar banho em batata palha, é ruim? É um tédio, mas não é difícil. Ficar pelada na garagem de casa para  entrar de volta no meu reduto asséptico chamado casa é ruim? Sem dúvida um pouco frio com a chegada do inverno, mas não é difícil. Lembrar de trocar de sapato quando vai levar o lixo, é chato? É confuso. Às vezes quando vejo já estão todos os sapatos para o lado de fora da porta, mas não é difícil. E o homeschooling? Nossa, é dificílimo, desafiador, às vezes frustrante.

    Sou professora, mas sou professora de gente grande. Eu era professora de graduação e cursos técnicos, com o sucateamento que a educação vem sofrendo nos últimos anos, fui demitida das duas instituições privadas onde trabalhava, mas como gosto muito de lecionar surgiu a possibilidade de dar aulas de inglês para pequenos grupos e aulas particulares e é o que venho fazendo. Sempre fui a professora divertida, engraçada que era capaz de ensinar de forma lúdica mil coisas. Uma vez um aluno até me perguntou se eu já tinha pensado em fazer stand up comedy, encarei o comentário como elogio e nos damos bem até hoje. 

    O fato é que não tenho treinamento, capacitação técnica para dar aulas para crianças. Para mim não faz diferença se o “Roberto foi ao mercado e comprou seis laranjas” se ele gostava de laranja ou não, desde que o resultado da operação matemática que segue esteja correto, mas para uma criança de 8 anos essa informação pode ser essencial e a ajuda que a professora dá nesse momento pode influenciar em todo o contexto de aprendizagem que se desenvolverá a partir daí e isto eu estou aprendendo na marra. Sem contar que no meio disso tenho outra filha de três anos que muitas vezes está pendurada no meu pescoço, enquanto eu tento explicar para a mais velha o conteúdo do colégio. Sim, isso tudo ocorre enquanto eu não estou dando aulas onlinemente (como diria minha filha) para os meus alunos.

    A escola da minha filha é pública, gratuita e de qualidade (como gostamos de dizer nos discursos de formatura das Universidades Federais), não há aulas online e nem teria como ter. As crianças são de realidades sócio-econômicas diversas. Se houvesse aulas online, seria algo muito excludente, muitas crianças não têm sequer computador em casa, o que dirá internet. A escola disponibiliza um trabalho online (as crianças que não tem acesso à internet podem obter cópias impressas gratuitamente) por dia. Eu poderia dizer para minha filha fazer só o trabalhinho, mas não tenho coragem. Como mãe sei que ela pode mais. Ela é uma menina extremamente inteligente, sempre foi uma aluna dedicada e interessada. Largá-la para a TV, videogames e celulares seria uma espécie de atrofia da mente (não que ela não faça isso durante o dia, mas não o dia inteiro). Me vejo obrigada a tentar ensiná-la por mais que às vezes seja um caminho meio tortuoso para nós duas.

    Tem dias que ela faz corpo mole, porque afinal eu não sou a professora dela, eu sou a mãe e rola uma manha para fazer o que é preciso. Por outro lado, se há algo que me irrita muito é uma pessoa fazendo uma coisa de má vontade. Obviamente que estes dois fatores resultam no produto briga. O mais louco é que quando brigamos, eu fico mal! Meu lado professora fica super magoadinho, porque não consigo fazer aquela pessoinha se interessar pelo que ela está aprendendo. Meu lado mãe, fica indignado com aquela professora (no caso eu mesma) que se irrita com o aluno, ao invés de arranjar um jeito criativo de ensinar para minha filha que é uma guria tão inteligente e sensível. Gente, é muito difícil isso! E ainda tem mãe que escreve no grupo do whatsapp de pais “quero sabe quando vou recebe o salário da prof hontem tive que ficar do lado do fulaninho porque ele não entendeu nada da atividade”. Dá vontade de responder: Vai receber quando aprender a escrever, quando aprender que ontem não tem h, fizer faculdade, especialização, mestrado e passar a vida estudando para ser capaz de ensinar crianças cada vez mais dinâmicas e facilmente entediáveis. Diga-se de passagem, o valor que a professora que tem tudo isso recebe não é nem um décimo do que ela deveria receber.

    Muita gente diz que essa pandemia serviu para as pessoas voltarem a valorizar o professor. Lamento, mas não creio nisso. Quem valoriza agora é quem já valorizava e apoiava o professor antes. Os que desmereciam esse trabalho tão importante continuarão achando que qualquer um faz.

Por fim, gostaria de deixar toda minha admiração aos professores da educação infantil e anos iniciais, em especial aos das minhas filhas. Eu lido com duas, imagina vocês com 20 em sala de aula (e na escola das minhas filhas as turmas são pequenas), vocês são incríveis e uma abordagem mal feita pode ser desastroso para o resto da vida escolar dessas crianças tão pequenas. Tenho invejado diariamente a sutileza, perspicácia e docilidade de vocês. Apesar da dificuldade diária não quero que as aulas voltem correndo, quero que voltem quando for possível pela segurança das minhas filhas, de vocês e de todos que nos cercam. Obrigada por se reinventarem do dia para a noite para serem o mais digitais possíveis considerando a realidade dos alunos, seja por whatsapp, aplicativo ead, ligação telefônica, sinal de fumaça, telepatia, vocês são únicos física ou digitalmente. 



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